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Retrospectiva da jurisprudência sobre eDiscovery em 2023
Janeiro é um momento para traçar metas e ponderar o que o novo ano trará. É também um momento para refletir sobre os eventos do ano que passou. No mundo dos litígios, é importante que advogados e profissionais de eDiscovery tomem nota das principais decisões e tendências.
O tema geral em 2023 foi claro: os tribunais esperam que as partes sejam mais proativas, minuciosas e intencionais. Fazer isso provou ser mutuamente benéfico, pois ajuda a evitar sanções, pode reduzir os custos de litígio, leva a um melhor gerenciamento de casos e mantém a competência em novas tecnologias que surgem.
Aqui estão três grandes tendências decorrentes deste tema:
Há um foco contínuo na importância da linguagem de protocolo ESI.
Isso não deve ser nenhuma surpresa pois nos últimos anos os tribunais enfatizaram que a linguagem protocolar direcionará como um tribunal decide disputas de Discovery quando surgirem gaps no protocolo. Em 2023, diversos juízes falaram sobre a necessidade de flexibilizar esses protocolos para evitar resultados indesejáveis. Não fazer isso pode resultar em atrasos, sanções e baixa tolerância para revisões posteriores. No entanto, é importante notar que alguns se desviaram desta tendência de interpretação rígida do protocolo. Isso pode causar uma divisão de opiniões sobre problemas mais perceptível no próximo ano.
Tribunais e partes envolvidas ainda estão analisando o papel das tecnologias emergentes no litígio e encontrando maneiras de navegar pelos desafios que essas ferramentas inerentemente trazem.
À medida que os profissionais jurídicos se aprofundam em ferramentas que usam tecnologia de ponta, como IA generativa, os tribunais enfrentam mais pressão para ajudar a estabelecer limites. Esse sentimento também se aplica a ferramentas como a revisão assistida por tecnologia (TAR) que estão em prática há algum tempo.
Os litigantes devem se lembrar dos princípios básicos de longa data.
Os tribunais não estão aceitando situações em que as partes e os seus litigantes poderiam ter tomado medidas simples para evitar que um problema ocorra. Eles estão enviando uma mensagem firme para que evitem negligenciar o básico. As partes precisam estar preparadas e serem proativas. Em um momento em que surgem problemas de Discovery mais complexas, é extremamente importante limitar o risco de ocorrerem disputas de menor prioridade que poderiam ter sido evitadas.
Segue abaixo uma discussão de cinco casos relevantes de 2023 que ilustram estas tendências.
In re StubHub Refund Litigation, 2023 WL 3092972 (N.D. Cal. 25 de abril de 2023)
As partes acordaram em apresentar documentos com hiperlink no seu protocolo ESI. O réu tentou, mas não conseguiu cumprir com este acordo porque muitos documentos foram perdidos devido às limitações da unidade de armazenamento. Os requerentes interpuseram recurso para que o acordo fosse cumprido, que foi aceito pelo tribunal. O tribunal ordenou ao Réu que apresentasse os documentos ou demonstrasse a impossibilidade de cumprir com o acordado. O juiz enfatizou que os protocolos ESI são cruciais para agilizar o processo de Discovery e que as partes não devem entrar em acordos que não possam cumprir. Além disso, a não entrega desses documentos poderia resultar em sanções.
O caso StubHub exemplifica a tendência de os tribunais seguirem de perto o que foi acordado entre as partes. Uma grande lição é de que os litigantes precisam pensar no que estão concordando antes de criar um protocolo ESI. Antecipar os obstáculos de coleta fornecerá informações que ajudarão a direcionar quando se faz necessária a flexibilidade do protocolo e as considerações sobre restrições de um litígio. A falha na preservação de provas sujeitas a protocolos quase sempre resulta em sanções, razão pela qual os juízes estão enfatizando a importância de construir ressalvas nos protocolos.
Garner v. Amazon, 2023 WL 3568055 (W.D. Wash. 19 de maio de 2023)
Um dos principais problemas de Discovery era se as alterações em um protocolo ESI claramente definido deveriam ser permitidas. Requerentes interpuseram um recurso para que estivessem em compliance com as decisões de Discovery definidas anteriormente, que foi aceito pelo juiz. Em seu protocolo ESI, as partes concordaram em usar termos de pesquisa para reduzir o volume de dados. Houve uma disputa prévia sobre a natureza dos termos de busca e custodiantes, que o tribunal resolveu em favor do réu. O réu usou os termos de busca aprovados que resultaram em cerca de dois milhões de documentos. O réu notificou então o requerente que usaria adicionalmente o TAR antes de produzir quaisquer documentos. O requerente contestou o procedimento e apresentou o referido pedido, alegando que era tarde demais para alterar o protocolo e que isso poderia potencialmente eliminar documentos responsivos. O réu argumentou que o TAR era necessário para reduzir ainda mais o grande volume de documentos e seguiu com o uso da ferramenta, apesar da objeção do requerente. O tribunal decidiu pela posição do réu e negou o pedido do requerente.
Deste caso, podemos tirar duas conclusões. Em primeiro lugar, isso destaca o desafio constante de confiar na tecnologia. Embora a tecnologia tenha evoluído muito, dúvidas permanecem sobre seu uso. O tribunal enviou uma mensagem apontando que as partes precisam estar dispostas a usar estas ferramentas que podem reduzir significativamente o tempo e os custos. O juiz apontou que o uso do TAR reduziria significativamente o universo de documentos e de que a parte produtora dos documentos está melhor posicionado para determinar o que produzirá o melhor resultado e é crucial ser transparente no usar o TAR.
Em segundo lugar, este caso levantou questões sobre o papel dos protocolos ESI, uma vez que o tribunal permitiu uma mudança no que foi acordado anteriormente sobre como conduzir Discovery. Analistas jurídicos disseram que este caso questiona se há uma necessidade real de protocolos ESI e destaca a necessidade de incluir uma linguagem que permita mudanças no protocolo. O que parece estar vindo à tona é que, embora muitos concordem que os protocolos podem ser benéficos, eles precisam ser feitos corretamente para diminuir as disputas de Discovery – que é o seu propósito no final das contas. As coisas mudam durante o curso de um caso de litígio e as partes muitas vezes não sabem o que estão enfrentando. Como tal, será interessante ver se mais tribunais no próximo ano continuarão a insistir na necessidade de incorporar flexibilidade nos protocolos – ou se desviar totalmente desta mentalidade da interpretação rígida dos protocolos.
Mata v. Avianca, Inc., 22-cv-1461 (PKC) (S.D.N.Y. 22 de junho de 2023)
Uma questão central aqui era se as sanções contra um advogado que usou o ChatGPT para ajudar a redigir um parecer jurídico eram justificadas. O réu entrou com um pedido de rejeição do parecer. Em sua resposta negando o pedido de rejeição, o advogado do requerente utilizou o ChatGPT como auxílio em uma pesquisa e a ferramenta citou de forma convincente casos que de fato não existiam. O advogado do réu descobriu as citações falsas e levou a questão ao tribunal. Em resposta, o advogado do requerente usou o ChatGPT novamente para verificar a veracidade das decisões e a ferramenta acabou criando fatos e atribuindo a existência dos casos a mecanismos de busca de pesquisa jurídica.
O réu entrou com um pedido de sanções, e o advogado do requerente respondeu que esta era sua primeira vez usando o ChatGPT como um complemento à pesquisa jurídica e ele não sabia que a ferramenta poderia criar informações falsas. O tribunal concedeu o pedido e ordenou uma multa de US$ 5.000 e uma diretiva para notificar cada juiz que tivesse sido identificado nas opiniões falsas.
Embora isso não tenha ocorrido na fase de eDiscovery, a decisão do juiz envia uma mensagem importante que os litigantes precisam levar consigo durante todo o caso. A IA generativa foi o tópico mais quente este ano e, sem dúvida, será a questão das disputas de Discovery à medida que mais pessoas exploram maneiras de usá-la para tarefas como pareceres, revisão de documentos, análise de acordos e avaliação antecipada de casos (ECA). A principal conclusão em Mata é que os litigantes devem proceder com cautela ou podem estar sujeitos a sanções e danos reputacionais. Entender o risco de alucinações na IA generativa é fundamental e reafirma a necessidade de verificar a precisão das fontes de dados utilizadas. Isso não tem o objetivo de fazer com que os advogados tenham medo de usar essas ferramentas, mas sim garantir que eles as estejam usando de forma responsável e levando em considerações suas obrigações éticas. Isso também envia uma mensagem de que precisam ser transparentes com clientes, advogados da contraparte e o tribunal sobre o uso de tecnologias emergentes.
Mills v. Steuben Foods, Inc., No. 19-CV-1178WMS(F), 2023 WL 179579 (W.D.N.Y. 13 de janeiro de 2023)
Neste caso de discriminação no trabalho, o requerente requisitou todos os documentos na posse do réu que envolvessem o requerente. O pedido foi amplo e não pediu um formato específico. A resposta a este pedido de Discovery incluiu mais de 111.896 páginas. O Requerente apresentou um pedido para que o tribunal ordenasse ao réu que reproduzisse esta informação num formato de texto pesquisável com um registo de produção correspondente. O tribunal negou o pedido, observando que os pedidos originais do requerente não especificavam isso e os documentos produzidos eram razoavelmente utilizáveis para pesquisa, de acordo com o FRCP 34.
Este caso é um lembrete de que as partes precisam ter cuidado na definição dos pedidos de produção. Este é um requisito básico que pode causar muitas dores de cabeça se não for mantido. As partes precisam pensar no que querem produzir e como, e então ser claras em seus protocolos ESI para evitar receber dados em um formato inutilizável. Se eles obtiverem uma grande quantidade de dados, realizar uma avaliação inicial de caso (ECA) orientada por IA pode ajudar muito a entender quais são os principais problemas e quais documentos serão relevantes. O uso dessas ferramentas permite que as partes classifiquem rapidamente os dados e criem uma estratégia para o caso.
Tucci v. Gilead Scis., 2:21-CV-1859-NR (W.D. Pa. 22 de maio de 2023)
Uma disputa de Discovery envolvendo definições de privilégio surgiu neste caso de demissão sem justa causa. O requerente abriu um pedido para que fosse entregue documentos relativos a investigações internas, argumentando que continham informações relevantes. O número de documentos em questão relativamente pequeno, tendo o réu alegado um privilégio geral sem registro correspondente. O tribunal aceitou o pedido do requerente, considerando que a afirmação de privilégio categórico era imprópria e ordenou a apresentação de todos os documentos relevantes, juntamente com um registro de privilégio explicando o que está sendo retido e por quê.
Essa decisão serve de lembrete para os litigantes de que eles precisam revisar proativamente os documentos em busca de privilégio e certificar-se de que não estão retendo informações relevantes. Este é mais um exemplo de tribunais que não permitem que as partes contornem seus deveres básicos. Essa disputa provavelmente poderia ter sido evitada se tivesse sido realizado um esforço maior para responder totalmente às solicitações de Discovery, principalmente porque o universo de documentos era pequeno. Isso não quer dizer que não é ok utilizar o privilégio categórico, mas os tribunais esperam que os litigantes saibam quando isso é apropriado e garantam que a produção seja completa da melhor maneira possível. Isso também serve como um lembrete para aproveitar as ferramentas de eDiscovery que podem ajudar a marcar documentos potencialmente privilegiados e criar logs para cumprir as obrigações de Disdcovery com mais eficiência e rapidez.
Conclusão
Entender as principais tendências de 2023 ajudará os litigantes a desenvolver estratégias de Discovery. Não há dúvida de que os tribunais continuarão a esperar que os litigantes sejam proativos e utilizem ferramentas que agilizem os casos. No entanto, será interessante ver como os juízes abordam os protocolos ESI em 2024, à medida que há mais ênfase na flexibilidade e no papel da IA generativa como uma nova tecnologia empolgante e emergente.
O conteúdo deste artigo destina-se apenas a transmitir informações gerais e não a fornecer aconselhamento jurídico ou opiniões.
O conteúdo deste artigo é destinado apenas a fornecer informações gerais e não a oferecer aconselhamento ou opiniões jurídicas.